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VestibularEdição do vestibular
Disciplina

(ENEM PPL - 2019)19-11-1959Eu a conheci da primeir

(ENEM PPL - 2019)

19-11-1959

Eu a conheci da primeira vez em que estive aqui. Parece-me que é esquizofrênica, caso crônico, doente há mais de vinte anos — não estou bem certa. Foi transferida para a Colônia Juliano Moreira e nunca mais a vi. [...] À tarde, quando ia lá, pedia-lhe para cantar a ária da Bohème, “Valsa da Musetta”. Dona Georgiana, recortada no meio do pátio, cantava — e era de doer o coração. As dementes, descalças e rasgadas, paravam em surpresa, rindo bonito em silêncio, os rostos transformados. Outras, sentadas no chão úmido, avançavam as faces inundadas de presença — elas que eram tão distantes. Os rostos fulgiam por instantes, irisados e indestrutíveis. Me deixava imóvel, as lágrimas cegando-me. Dona Georgiana cantava: cheia de graça, os olhos azuis sorrindo, aquele passado tão presente, ela que fora, ela que era, se elevando na limpidez das notas, minhas lágrimas descendo caladas, o pátio de mulheres existindo em dor e beleza. A beleza terrífica que Puccini não alcançou: uma mulher descalça, suja, gasta, louca, e as notas saindo-lhe em tragicidade difícil e bela demais — para existir fora de um hospício.

CANÇADO, M. L. Hospício é Deus. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

 

O diário da autora, como interna de hospital psiquiátrico, configura um registro singular, fundamentado por uma percepção que

A

atenua a realidade do sofrimento por meio da música.

B

redimensiona a essência humana tocada pela sensibilidade.

C

evidencia os efeitos dos maus-tratos sobre a imagem feminina.

D

transfigura o cotidiano da internação pelo poder de se emocionar

E

aponta para a recuperação da saúde mental graças à atividade artística.