ENEM

ITA

IME

FUVEST

UNICAMP

UNESP

UNIFESP

UFPR

UFRGS

UNB

VestibularEdição do vestibular
Disciplina

Voc foi estudar para o vestibular na casa de um/a

Você foi estudar para o vestibular na casa de um/a colega de classe em um final de semana. Lá, em meio a leituras e resolução de exercícios, você percebeu a presença de uma empregada doméstica trabalhando de dia e de noite. Intrigado/a, perguntou ao seu/sua colega a respeito da funcionária e foi surpreendido/a com a resposta de que ela morava em casa e era considerada parte da família. Não convencido/a, você decidiu denunciar aquela situação ao Ministério Público do Trabalho. Elabore uma carta-denúncia em cujo texto você: a) descreva uma situação testemunhada na casa de seu colega que pode ser considerada crime e b) argumente no sentido de defender os direitos daquela empregada doméstica. Você deve, obrigatoriamente, se apropriar de elementos da coletânea a seguir, demonstrando leitura crítica dela na elaboração de seu texto.

1. O Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 1.443 pessoas em condições análogas à escravidão no primeiro semestre de 2023. É quase o dobro do total de 771 resgates feitos em todo o primeiro semestre de 2022. Os registros cresceram especialmente após a liberação de trabalhadores encontrados em situação degradante em vinícolas no Rio Grande do Sul, em fevereiro. Os dados oficiais sugerem um aumento de casos de escravidão contemporânea no Brasil, mas a questão é: aumentaram os crimes ou as denúncias? De fato, a fiscalização aumentou desde o início do atual governo. Até junho de 2023 foram realizadas 174 ações, contra 63 no mesmo período de 2022. Os 1.443 resgates são o maior resultado dos últimos 12 anos. (Adaptado de: “135 anos após a Lei Áurea, trabalho análogo à escravidão tem ápice em 12 anos”. Folha de São Paulo, 03/07/2023.)

2. Saí de Belo Horizonte com 19 anos e fui para o Rio de Janeiro 3. trabalhar como empregada doméstica. Fiquei mais de 50 anos com a mesma família. A patroa providenciou meus documentos pessoais e carteira de trabalho. A carteira nunca ganhou uma assinatura. Fazia tudo na casa e levava as crianças para a escola. Vi os filhos crescerem, se casarem e até nascer um neto da patroa. Morava num condomínio fechado e passava o tempo todo fazendo o serviço da casa. Não podia parar para sentar, a patroa reclamava. Na hora de dormir, eu colocava um colchonete no chão do escritório. Não reclamava, porque eu não tinha outro lugar para morar. No começo, a dona da casa era boa pra mim, comprava minhas roupas. Nunca tirei férias na vida e também não tinha salário. Ela me falava que o meu salário ajudava nas compras da casa. Quando a patroa bebia, ficava violenta, aí me batia sem motivo. Eu já não aguentava mais o sofrimento que estava passando ali. Às vezes chorava escondida nos cantos. Um dia falei tudo o que acontecia para a vizinha, que sempre me vigiava e via a patroa me xingando. Fui resgatada em setembro de 2021. (Adaptado de: SANTANA, J.; FLORA, K. “Escravidão hoje: mulheres afetadas pelo trabalho escravo lutam por indenização”. Depoimento de Vera, 75 anos (nome fictício). Folha de São Paulo, 02/07/2023.)

3.

LOBATO, M. Quitutes da Tia Nastácia. Sítio do Picapau Amarelo. Ilustração do DVD.

4. Uma herança se transfere de geração em geração. Exemplo disso é a perpetuação da escravidão “dentro dos homens”, o que gera a “ralé de novos escravos” hoje em dia, ainda que, formalmente, não exista mais escravidão. O caso atual da exploração da ralé brasileira pela classe média para poupar tempo de tarefas domésticas, sujas e pesadas – que lhe permite utilizar o tempo “roubado” a preço vil em atividades mais produtivas e mais bem-remuneradas – mostra uma funcionalidade da miséria. Essa luta de classes silenciosa exime toda uma classe dos cuidados com os filhos e da vida doméstica, transformando o tempo poupado em dinheiro e aprendizado qualificador. A classe roubada, no caso, é condenada eternamente a desempenhar os mesmos papéis secularmente servis. (Adaptado de: SOUZA, J. “A criação da ralé de novos escravos como continuação da escravidão no Brasil moderno”. A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro. Rio de Janeiro: Estação Brasil, p. 84-85, 2019.)

5. Se você, “leitora amiga”, não sabe como “transformar sua empregada doméstica em auxiliar responsável e amiga da dona de casa”, não sabe como conseguir e manter a tão sonhada paz doméstica e, sobretudo, como “não perder na luta para não ficar fazendo o trabalho da empregada deixando de lado [seus] afazeres normais”, eis aqui alguns “jeitinhos astutos” para “amaciar”, “domesticar”, enfim, “domar como um bicho bravo” a sua empregada. Antes de mais nada, “se sua empregada não possuir rádio próprio, forneça-lhe um”; “dê as ordens em tom calmo e firme para não despertar a fera que existe em cada um[a] de nós”; use a estimulante fórmula Nós. Por exemplo: ‘hoje nós vamos comprar peixe’, ‘precisamos fazer faxina aqui na cozinha’ [...]”. Truques como esses e outros mais compõem o “guia prático da mulher independente”, intitulado A aventura de ser dona-de-casa (dona-de-casa vs. empregada): um assunto sério visto com bom humor, escrito por Tania Kaufmann, em 1975, com o apoio da irmã, a escritora Clarice Lispector. (Adaptado de: RONCADOR, S. A doméstica imaginária: literatura, testemunhos e a invenção da empregada doméstica no Brasil (1889-1999). Brasília: Editora Universidade de Brasília, p. 136, 2008.)

6. Dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ocasião dos 10 anos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas, mostraram que houve retrocessos nos últimos anos nas garantias dadas à categoria de trabalhadores domésticos. “Trabalho doméstico não é favor, é uma profissão. Se hoje temos queda do número de carteiras assinadas em nossa categoria, é porque estão sonegando nossos direitos para burlar a lei. Se a elite brasileira quer ter empregados em casa, então precisa se conscientizar sobre o cumprimento dos direitos trabalhistas de quem emprega”, afirma Maria Izabel Monteiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro. (Adaptado de: MIRANDA, E. “PEC das Domésticas completa 10 anos com queda no número de vagas com carteira assinada”. Brasil de fato. 12/04/2023.)