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VestibularEdição do vestibular
Disciplina

(AFA - 2020)PROVA DE REDAOPalavra do ano Todo fim

(AFA - 2020) 

PROVA DE REDAÇÃO

Palavra do ano

         Todo fim de ano é a mesma coisa: confraternizações na firma, festas de Natal e a seleção da “palavra do ano” por dicionários gringos. Muito mais do que apenas uma palavra, o termo escolhido procura representar o que marcou o ano como um todo — e essa escolha pode provocar reflexões e até ‘polêmicas’.

         Dois casos exemplificam bem isso: em 2015, o famoso dicionário Oxford (editado pela universidade de mesmo nome) fez uma escolha controversa, elegendo como palavra do ano o ‘emoji que chora de rir’. Muitos linguistas não receberam bem a decisão, alegando que era uma afronta ao alfabeto. Já em 2016, a escolha provocou reflexão: o mesmo dicionário inglês elegeu o termo “pós-verdade” como palavra do ano. O termo, que até então era pouco conhecido, se refere a algo bem atual: a era da “pós-verdade” é aquela em que crenças pessoais têm mais peso do que fatos.

         Agora: 2018. Escolher uma só palavra para definir este ano deve ter sido um desafio, vide vários acontecimentos marcantes: crescimento de uma onda conservadora mundial (no Brasil, com um processo eleitoral extremamente polarizado), grande número de denúncias de assédio contra mulheres vieram a tona, um livro revelou boicotes feitos ao presidente norte-americano Donald Trump pelos próprios assessores dele e até a Alemanha deu vexame na Copa do Mundo. O dicionário Oxford cravou: a palavra de 2018 é “tóxico”. (...) Apesar da importância literal, foi também pela versatilidade da palavra que ela foi escolhida: “De ‘ar tóxico’ a ‘política tóxica’, o escopo de sua aplicação em 2018 tornou “tóxico” a escolha para nossa Palavra do Ano (…)."

(Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/dicionario-oxford-escolhe-a-palavra-do-ano/. Acesso em 03/04/2019)

 

Glossário:

Emoji: termo de origem japonesa que designa uma imagem capaz de transmitir a ideia de uma palavra.

Emoji que chora de rir: 😂

         Considerando as informações acima, escolha qual, para você, seria a palavra do ano 2019. Redija um texto dissertativo-argumentativo, em prosa, defendendo a sua escolha.

Orientações:

  • Considere os textos desta prova como motivadores e fontes de dados. Não os copie, sob pena de ter a redação zerada.
  • A redação deverá conter no mínimo 100 (cem) palavras, considerando-se palavras todas aquelas pertencentes às classes gramaticais da Língua Portuguesa.
  • Recomenda-se que a redação seja escrita em letra cursiva legível. Caso seja utilizada letra de forma (caixa alta), as letras maiúsculas deverão receber o devido realce.
  • Utilize caneta de tina preta ou azul.
  • Dê um título à redação.

 

Textos da prova de Língua Portuguesa:

TEXTO I

Trecho da peça teatral A raposa e as uvas, escrita por Guilherme de Figueiredo. A cena ocorre na cidade de Samos (Grécia Antiga), na casa de Xantós, um filósofo grego, que recebe o convidado Agnostos, um capitão ateniense. O jantar é servido por Esopo e Melita, escravos de Xantós.

XANTÓS (Descobrindo o prato) – Ah, língua! (Começa a comer com as mãos , e faz um sinal parta Melita sirva Agnostos. Este também começa a comer vorazmente, dando grunhidos de satisfação.) Fizeste bem em trazer língua, Esopo. É realmente uma das melhores coisas do mundo. (Sinal para que sirvam o vinho. Esopo serve, Xantós bebe.) Vês, estrangeiro, de qualquer modo é bom possuir riquezas. Não gostas de saborear esta língua e este vinho.

AGNOSTOS (A boca entupindo comendo) – Hum.

XANTÓS – Outro prato Esopo. (Esopo sai à E. e volta imediatamente com outro prato coberto. Serve, Xantós de boca cheia) Que é isto? Ah, língua de fumeiro! É bom língua de fumeiro, heim, amigo?

AGNOSTOS – Hum. (Xantós serve-se de vinho)

XANTÓS (Bebendo vinho, e dando sinais de alegria alcoólica) – Concorda-se menos comigo, ó estóico, que apesar de desprezares o mundo e seus bens não desprezas o bom vinho de Samos e a boa língua que os pastores da Arcadia preparam!

AGNOSTOS – Hum. (Sinal de Xantós para que Melita sirva o vinho. Ela obedece.)

XANTÓS – Mulher, podias tomar a lira, e cantar um pouco com a tua bela voz. Isto ainda honraria mais o nosso hóspede.

CLÉIA – Prefiro olhar o repasto, se me permites. Por que não pede a Esopo que conte uma istória?

XANTÓS – Esopo, traz outro prato. (Esopo sai à E.) Canta mulher. (Um sinal de Cléia e Melita lhe traz uma lira.)

CLÉIA (Tangendo a lira, num acompanhamento simples, enquanto entra Esopo e para para escutar) É sobre o colo de Vênus Que tua boca emudece É sobre o ventre de Vênus Que teu ventre se estremece É preso nos pés de Vênus Que sempre teu pé se aquece Braços à volta de Vênus Assim teu corpo se esquece Sabei, efebos e atletas, Que me rondais desde de cedo Que Vênus que tanto amais Ensinou-me o seu segredo. XANTÓS – Ela canta bem, não? (Serve-se de vinho) 

AGNOSTOS (respondendo com a boca cheia) Hum.

XANTÓS (A Esopo) Serve outro prato. (Serve) Que trazes aí? ESOPO – Língua.

XANTÓS – Mais língua? Não te disse que trouxesse o que há de melhor para o meu hóspede? Por que só trazes língua? Queres expor-me ao ridículo?

ESOPO – Que há de melhor do que a língua? A língua é o que nos une todos, quando falamos. Sem a língua nada poderíamos dizer. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças a língua dizemos o nosso amor. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se mostra, se afirma. É com a língua que dizemos sim. É a língua que ordena os exércitos à vitória, é a língua que desdobra os versos de Homero. A língua cria um mundo de Esquilo, a palavra de Demóstenes. Toda a Grécia, Xantós, das colunas do Partenon às sotátuas de Pidias, dos deuses do Olimpo à glória sobre Troia, da ode do poeta ao ensinamento do filósofo, toda a Grécia foi feita com a língua, a língua de belos gregos claros falando para a eternidade.

XANTÓS (Levantando-se, entusiasmado, já meio ébrio) – Bravo, Esopo. Realmente, tu nos trouxeste o que há de melhor. (Toma outro saco da cintura e atira-o ao escravo) Vai agora ao mercado, e traze-nos o que houver de pior, pois quero ver a sua sabedoria! (Esopo retira-se à F. com o saco, Xantós fala a Agnostos.) Entao, não é útil e bom possuir um escravo assim?

AGNOSTOS (A boca cheia) – Hum.

XANTÓS – Mulher bebe tu também, que hoje estamos felizes! Bebe! (Sinal a Melita para que sirva o vinho a Cléia. Melita obedece) bebe! Eu meu caro confrade que sou precisamente ao contrário de ti, gosto de usar as riquezas sejam elas um escravo, sejam estes vinhos que bebemos. Mais vinho! (Melita obedece) Hoje eu seria capaz de beber um tonel de vinho! Farias isto comigo filósofo?

AGNOSTOS – Hum. (Entra Esopo com prato coberto.)

XANTÓS – Agora que já sabemos o que há de melhor na terra, vejamos o que há de pior na opinião deste horrendo escravo! Língua, ainda? Mais língua? Não disseste que língua era o que havia de melhor? Queres ser espancado?

ESOPO – A língua senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. É a língua que usam os maus poetas que nos fatigam na praça, é a língua que usam os filósofos que não sabem pensar. É a língua que mente, que esconde, que tergiverse, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que se mendiga, que impreca, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz, é com a língua que dizemos morre e canalha e corja. É com a língua que dizemos não. Com a língua Aquiles mostrou sua cólera, com a língua a Grécia vai tumultuar os pobres cérebros humanos para toda a eternidade. Aí está, Xantós, porque a língua é a pior de todas as coisas!

 

TEXTO II

Em 1934, um redator de Nova York chamado Robert Pirosh largou o emprego bem remunerado numa agência de publicidade e rumou para Hollywood, decidido a trabalhar como roteirista. Lá chegando, anotou o nome e o endereço de todos os diretores, produtores e executivos que conseguiu encontrar e enviou-lhes o que certamente é o pedido de emprego mais eficaz que alguém já escreveu, pois resultou em três entrevistas, uma das quais lhe rendeu o cargo de roteirista assistente da MGM.

Prezado senhor:

     Gosto de palavras. Gosto de palavras gordas, untuosas, como lodo, torpitude, glutinoso, bajulador. Gosto de palavras solenes, angulosas, decrépitas, como pudico, ranzinza, pecunioso, valetudinário. Gosto de palavras espúrias, enganosas, como mortiço, liquidar, tonsura, mundana. Gosto de suaves palavras com “v”, como Svengali, avesso, bravura, verve. Gosto de palavras crocantes, quebradiças, crepitantes, como estilha, croque, esbarrão, crosta. Gosto de palavras emburradas, carrancudas, amuadas, como furtivo, macambúzio, escabioso, sovina. Gosto de palavras chocantes, exclamativas, enfáticas, como astuto, estafante, requintado, horrendo. Gosto de palavras elegantes, rebuscadas, como estival, peregrinação, elísio, alcíone. Gosto de palavras vermiformes, contorcidas, farinhentas, como rastejar, choramingar, guinchar, gotejar. Gosto de palavras escorregadias, risonhas, como topete, borbulhão, arroto.
     Gosto mais da palavra roteirista que da palavra redator, e por isso resolvi largar meu emprego numa agência de publicidade de Nova York e tentar a sorte em Hollywood, mas, antes de dar o grande salto, fui para a Europa, onde passei um ano estudando, contemplando e perambulando. Acabei de voltar e ainda gosto de palavras. Posso trocar algumas com o senhor?

Robert Pirosh
Madison Ave, 385
quarto 610
Nova York

TEXTO III

Janela sobre a palavra (V)

Javier Villafañe busca em vão a palavra que deixou escapar bem quando ia pronunciá-la. Onde terá ido essa palavra, que ele tinha na ponta da língua?

Haverá algum lugar onde se juntam todas as palavras que não quiseram ficar? Um reino das palavras perdidas? As palavras que você deixou escapar, onde estarão à sua espera?

TEXTO IV

Poesia

Gastei a manhã inteira pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 45)

 

TEXTO V

Romance das palavras aéreas

/.../

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa!
ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...

/.../

frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!

(MEIRELLES, Cecília, Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: Global, 2015.p.150-152.)