(ESCS - 2014)
Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.
(Dalton Trevisan. Mistérios de Curitiba. Rio de Janeiro: Editora Record, 1979, p. 110.)
A respeito da construção literária do texto, é correto afirmar que o conto de Dalton Trevisan é
influenciado pelo realismo fantástico, haja vista a maneira como articula o real e o sobrenatural.
construído com base na técnica do fluxo de consciência, em que são decisivos os sentimentos do narrador.
uma narrativa tradicional com abundantes trechos descritivos.
uma construção apresentada de forma irônica pelo narrador.