(UEMA - 2020)
O fragmento a seguir foi extraído do capítulo Despedida às travessuras. Nele, narram-se as traquinagens de Leonardo durante uma procissão que representava a via-sacra.
[...] Era a via-sacra do Bom Jesus.
Há bem pouco tempo existiam ainda em certas ruas desta cidade cruzes negras pregadas pelas paredes de espaço em espaço. Às quartas-feiras e em outros dias da semana saía do Bom Jesus e de outras igrejas uma espécie de procissão composta de alguns padres conduzindo cruzes [...] Caminhavam eles em charola atrás da procissão, interrompendo a cantoria com ditérios em voz alta, ora simplesmente engraçados, ora pouco decentes; levavam longos fios de barbante, em cuja extremidade iam penduradas grossas bolas de cera. Se ia por ali ao seu alcance algum infeliz, a quem os anos tivessem despido a cabeça dos cabelos, colocavam se em distância conveniente e, escondidos por trás de um ou de outro, arremessavam o projétil que ia bater em cheio sobre a calva do devoto; puxavam rapidamente o barbante, e ninguém podia saber donde tinha partido o golpe. Essas e outras cenas excitavam vozeria e gargalhadas na multidão.
Era a isto que naqueles devotos tempos se chamava correr a via-sacra.
(ALMEIDA, M. A. Memórias de um Sargento de Milícias. Porto Alegre: L&PM, 2015.)
Os pronomes demonstrativos, em certos contextos, além de sua função coesiva, atuam como recurso estilístico. Em “Era a isto que naqueles devotos tempos se chamava correr a via-sacra.”, o pronome “isto”, ao retomar o parágrafo anterior, e associado ao adjetivo "devotos", sugere, na fala do narrador, um tom:
confessional
convencional
comovido
depreciativo
vacilante