ENEM

ITA

IME

FUVEST

UNICAMP

UNESP

UNIFESP

UFPR

UFRGS

UNB

VestibularEdição do vestibular
Disciplina

(UFC - 2005)Dizem que os ces vem coisa e O cavaqui

Português | Literatura | pós-modernismo e tendências contemporâneas
UFC 2005UFC PortuguêsTurma ENEM Kuadro

(UFC - 2005)

Dizem que os cães vêem coisa e O cavaquinho são obras de dois grandes contistas escolhidos para este exame. A escolha foi nossa. O sucesso será seu.

TEXTO 1 - Dizem que os cães vêem coisas.

Os cães de raça latiam e uivavam desesperadamente nos canis (e dizem que os cães vêem coisas). Foi preciso que o tratador viesse acalmá-los, embora eles rodassem sobre si mesmos e rosnassem. À distância, a piscina quase olímpica, agora deserta: toalhas esquecidas, o vidro do bronzeador, o cinzento sobre a mesinha cheio de pontas de cigarro marcadas de batom.

As filas. Alguém tangeu o gato que lutava com um pedaço de osso, Lenita fez o prato do marido, preparou também o seu. Mordia a fatia de peru com farofa, quando se lembrou do filho.

- Cadê o Netinho?!

Certa angustia na voz. Chamou o marido, gritou pela babá, que se distraía com as outras na varanda. Olhos espantados e repentino silêncio talvez maior que qualquer outro. Refeições suspensas, uma senhora mantinha no ar o garfo cheio. Tentavam segurar Lenita. Ela se desvencilhava:

- Cadê o Netinho? Cadê?

As águas da grande piscina eram tranqüilas, apenas levemente franjadas pelo vento. Boiava sobre elas uma carteira de cigarros vazia. Mas a moça que se aproximara parecia divisar um corpo no fundo, preso à escada. Voltaram a afastar Lenita, o marido a envolveu nos braços possantes, talvez procurando refúgio também. O campeão de vôlei atirou-se à piscina e veio à tona sacudindo com a cabeça os cabelos longos: trazia sob o braço um corpo inerte, flácido, de apenas quatro anos e de cabelos louros e gotejantes.

O médico novo, de calção, tentou a respiração artificial, o boca-a-boca (os lábios de Netinho estavam arroxeados) e levantou-se sem palavras e sem olhar para ninguém. Lenita solto-se e agarrou-se ao filho:

- Acorde, acorde! Pelo amor de Deus, acorde!

Conseguiam afastá-la mais uma vez, quase desmaiou. A amiga limpava-lhe com os dedos a sobra de farofa que se grupara ao seu rosto. Os cães de raça voltavam a latir desesperadamente, e dizem que os cães vêem coisa.

Lenita ficou para sempre com a sensação do corpo inerte e mole entre os braços. Uma marca, presença, que procurava desfazer coma as mãos. Cabelos louros e gotejantes. Ás vezes, ela despertava na noite:

- Acorde, acorde!

A presença também daquele instante de silêncio que pesara sobre a piscina. Um pressentimento apenas? Precisamente o momento em que ela chegara, transparente e invisível, e se sentara à beira da piscina, cruzando as pernas longas, antiqüíssima, atual e eterna.

MOREIRA CAMPOS, José Maria (2002). Dizem que os cães vêem coisas. In. Dizem que os cães vêem coisas. Fortaleza: Editora UFC, p.133-134.

TEXTO 2 - O Cavaquinho

(...)

- O pai demora-se...

- Não que ir à Vila e voltar tem que se lhe diga... Via-se bem que estava inquieta. Seria que, como ele, esperasse por uma prenda?

Cerrou-se a escuridão. O aguaceiro agora caía a cântaros. Pelas frinchas da casa o vento ia dando punhaladas traiçoeiras.

- Valha-me Deus!

O lamento da mãe acabou de encher a cozinha, já meia testa de fumo.

- Que noite! E aquele homem por lá!

Olhou-a com os olhos vermelhos da fogueira de lenha verde.

De súbito, à idéia da prenda, que, alegre, o acompanhara todo o dia, juntou-se-lhe uma outras, triste, imprecisa, que lhe meteu medo.

- O tio Adriano também foi, pois foi?

- Foi.

Novamente um grande silêncio caiu entre eles. Mas durou pouco.

- Eu queria esperar pelo pai!

- Vais cear e dormir...

Embora obrigado, nem o caldo lhe passou pela garganta, nem o sono, na cama, lhe fechava os olhos. No escuro ouvia a mãe chorar, suspirar, e as bátegas grossas e pesadas a mantelar o teclado.

De repente sentiu passos no quinteiro. Até que enfim! Era o pai! O que seria a prenda?

A pessoa que vinha bateu de leve e chamou baixo:

- Maria...

- Quem é? - perguntou a mãe.

O coração deu-lhe um baque. Então o tio Adriano voltava sozinho?!

Pôs-se a ouvir, como um bicho aflito.

E daí a nada sabia que o pai fora morto num barulho, e que no sítio onde caíra com a facada lá ficara, ao lado dum cavalinho que lhe trazia.

TORGA, Miguel (1996), O cavaquinho, In: Contos da Montanha, Rio de Janeiro, Nova Fronteira p. 62-63.

Assinale a alternativa que contém a afirmação verdadeira sobre Moreira Campos:

A

a prolixidade e a digressão são destaques de sua contística.

B

diferentes gêneros textuais se misturam em sua produção romanesca.

C

o contista cearense desenvolveu uma predileção explicita por imagem mórbidas.

D

em suas composições vê-se a influencia de Eça de Queiroz e de Machado de Assis.

E

o autor de A grande mosca no copo de leite filiou-se as fases do Modernismo de 22.