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(Ufmg 1994)SUAVE PRECONCEITO. MAS NS ENFRENTAMOS.I

(Ufmg 1994) 

SUAVE PRECONCEITO. MAS NÓS ENFRENTAMOS.

Ivan Ângelo

Existe por aí um preconceito contra os mineiros. Quem nasceu entre Espinosa e Extrema, entre Ituiutaba e Mantena, quem viveu nesse entremeio, pegou jeito e depois foi morar fora desses limites sabe disso. Não é nada grave, não. Dá para enfrentar com um sorriso: é um suave preconceito.

Tão suave que às vezes a gente confunde com homenagem, vem junto um pode ser. Eles usam até a expressão: mineiro, no bom sentido. Mas uma coisa é certa: em qualquer lugar do País alguém tem sempre uma opinião sobre mineiro. Por isso que mineiro é bem recebido, porque não tem mistério, todo mundo sabe como ele é. E não sabe, pois todo mundo aprendeu também que não é bom ter certezas a respeito de mineiros.

Ninguém percebe que é preconceito - já disse: é suave, tão suave que quem fala certas coisas sobre mineiros não pensa nunca em ofensa. Se a gente mostra o que há por trás da fala, eles não aceitam: imagine, eu adoro mineiros! Incrível: eles contam com a nossa adesão.

Se você solta fácil algum dinheiro, dado ou emprestado, falam como se fosse elogio: pô, você não foi nada mineiro, hein? Se nega: "eh, mineiro!" Se pede uma garantia: mineiro não dá ponto sem nó.

Se você se exalta, encara alguém no calor de uma discussão: qual é, você não está sendo nada mineiro. Se leva o desaforo pra casa: mineirinho, hein?

O voto é secreto para todo mundo, mas mineiro fora de Minas não tem direito: ah, deixa de ser mineiro, cara, fala logo em quem votou.

Se você é chamado para árbitro de uma polêmica, justamente por terem os mineiros certa fama de desatar controvérsias, e para um minuto pra pensar, logo vai ouvir: eh, não vai dar uma de mineiro, vai?

Mas quando a intenção é conciliar, e um de nós está por perto: vem cá, você que é mineiro...

No amor, na paixão, também cabe o - suave - preconceito. Se a gente se desatina, declama versos, rilha os dentes de ciúmes, chora ao telefone, se deita na linha do metrô, está arriscado a ouvir: pô, você podia ser mais mineiro, não? Se você se segura e não diz que ama, vem a queixa: ah, você é mineiro demais.

Se você não adere logo à greve: mineiro é assim, sempre em cima do muro. Se você, pelo contrário, joga coquetel molotov ou chuta granada de gás lacrimogêneo de volta pra polícia: mineiro é assim, a gente vai com o milho, ele já vem com o fubá, ou: dá um boi pra não entrar na briga e uma boiada pra não sair.

E como esses, há dezenas de casos. Se você estuda com calma um negócio: mineiro é muito devagar; se doura um pouco a pílula: mineiro dá volta pra chegar; se dá uma reuniãozinha pra rever os amigos que não vê há 15 anos: vocês, mineiros, sempre juntinhos, hein?, sempre conspirando; se compra um pouquinho de dólares de cada vez, porque não tem dinheiro pra comprar muito: mineiro é assim, come pelas beiradas; se você fala baixo por educação ou por discrição ou mesmo para dar uma liçãozinha de civilidade aos falastrões nacionais: mineiro não fala, cochicha; se vai à praia, depois de um ano de escritório, só pra tirar aquele tom verde-mofo da pele, como qualquer brasileiro que more a mais de 50 quilômetros da costa: vocês mineiros são loucos por uma praia, hein?; se te pegam comendo um franguinho ao molho pardo ou uma couve com torresmo: vocês saem de Minas mas Minas não sai de vocês, não é?; se você tem a delicadeza de se lembrar dos aniversários, vai ouvir uma daquelas que podem parecer elogio: mineiro não esquece; mas se você se lembra de que alguém te fez uma sacanagem: mineiro é vingativo.

No capítulo das comidas, o preconceito é mais suave ainda: cozinheira tem que ser mineira, é muito difícil satisfazer um convidado mineiro; não se pode oferecer cachaça da gente a esses mineiros porque eles só bebem aquela cachacinha lá deles; como você me convida para almoçar e não serve uma comidinha mineira? Todas essas "gentilezas" deixam uma famazinha de que mineiro complica em matéria de cozinha.

No exercício desse preconceito eles contam com a nossa cumplicidade. É clássico isso, o preconceituoso ter tanta certeza do seu preconceito que acha impossível a vítima do preconceito não reconhecer que ela é como ele a vê.

E é aqui que vem o pior: nós mineiros sabemos que mineiro é tudo isso e mais alguma coisa, que a gente não conta pra ninguém, pra poder usar quando for preciso.

ISTO É MINAS - 11/12/91

As cenas apresentadas no texto são

A

Depoimentos autobiográficos de mineiros.   

B

Exemplos de situações vivenciáveis por mineiros.   

C

Lamentações de vítimas de ideias preconcebidas.   

D

Provas da capacidade de observação dos brasileiros.   

E

Relatos de experiências vividas pelo autor em Minas.