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VestibularEdição do vestibular
Disciplina

(IME 2022/2023 - 2 fase)Texto 2PENSAR A CIBERGUERR

(IME 2022/2023 - 2ª fase)

Texto 2

 

PENSAR A CIBERGUERRA

 

     A ideia de ciberguerra tem sido questionada por alguns estudiosos, tanto militares quanto civis. Para Thomas
  Rid, por exemplo, não houve at é o momento qualquer ciberataque que possa enquadrar na clássica definição
  de Clausewitz1 para o “ato de guerra”. Para o pensador prussiano, basicamente se pode classificar como ato de
  guerra algo relacionado a ações violentas. Além disso, o ato de guerra é sempre “instrumental”, isto é, através
da violência física ou da ameaça do uso da força e possível impelir o inimigo a realizar aquilo que o atacante
  deseja. E ainda não se deve esquecer uma terceira característica do ato de guerra: o ataque deve ser algum
  tipo de ideia-noção ou intenção de meta política. Um dos problemas apresentados aqui e pensar aquilo que se
  entende por “violência”. Nesse caso, conforme Jarno Limnéll, estamos lidando com um conceito ambíguo, que
  agrega mais do que causas físicas ou a morte.
10       A ciberguerra compõe parte daquilo que alguns chamam de “guerra não convencional”. A ocorrência de
  um incidente envolvendo ataques à rede de um determinado país logo desperta comparações com a vasta
  filmografia sobre “revoltas de computadores”, sobre os indomavéis hackers. Mas, ao contrário, talvez fosse
  interessante diminuir os excessos sobre o assunto e trazê-lo cuidadosamente para o lugar da história.
       O texto “Cyberwar is coming!”, de John Arquilla e David Ronfeldt, foi um dos primeiros a apontar a sin-
15  gularidade de novos modos de conflito. Publicado pela Rand Corporation, agência reconhecida por subsidiar
  o Departamento de Defesa norte-americano, o trabalho da dupla repercutiu ao apresentar a necessidade de
  pensar as tecnologias da informação como aspecto central nas novas estratégias militares. Arquilla e Ronfeldt
  destacam a necessidade de conhecer o campo inimigo, revelam inspiração nos mongóis do século XIII, afirmam
  a importância de considerar a relação histórica entre mudanças tecnológicas e novas formulações para as
20  doutrinas militares.
       Anos depois, a mesma dupla de pesquisadores publicaria outro trabalho, procurando delimitar aquilo a que
  chamaram de netwar, a guerra em rede. Para eles, esse modo de conflito ganharia preponderancia, haja vista
  que, para levar adiante uma ciberguerra, seria necessaria uma quantidade maior de recursos financeiros e um
  repertorio menor de artefatos a serem utilizados. A netwar seria típica de conflitos de baixa intensidade, sendo
25  perceptível com maior nitidez nas ações de grupos como o Hamas e os zapatistas.
       Provavelmente, a diferença mais visível entre os dois tipos de conflito, ciberguerra e guerra em rede, possa
  ser observada no fato de que o primeiro exige o uso de ambientes cibernéticos, enquanto o segundo não. Sendo
  assim, as ciberguerras apresentam um maior potencial para serem empreendidas por agentes estatais, embora
  isso não seja uma regra. Os formatos em torno da ciberguerra também evidenciam a necessidade do uso das
30  redes de computadores para que os resultados esperados sejam atingidos.
       Nye Jr. chama a atenção para a força que os conflitos cibernéticos ganharam neste século. O fato de
  possibilitarem a participação de agentes não estatais e a inserção cada vez mais profunda dos computadores
  e softwares na vida cotidiana somente reforça a necessidade de considerarmos os influxos desse tipo de ação.
  Evidentemente, acompanhar a ideia de que existe ciberguerra envolve a compreensao das semelhanças e
35  diferenças em relação ao que classicamente consideramos uma guerra.
       Numa guerra do tipo clássico, o aspecto físico exerce papel fundamental. Deve-se levar em conta o preparo
  de tropas fisicamente saudáveis, habilidosas no manejo de armamentos e com a possibilidade de movimentação
  em diferentes terrenos. Em tal modalidade de guerra, os combates tendem a cessar a partir da exaustão das
  tropas ou por seu desgaste. Por um lado, os governos dispõem de um quase monopólio do uso da força
40  em larga escala, e os defensores precisam conhecer muito bem o terreno de movimentação. Além disso, é
  preciso considerar que um combate desse tipo requer consideráveis recursos de manutenção, mobilidade e
  investimentos financeiros. Afinal de contas, deslocar tropas do Atlântico Norte para o Pacífico ou da América do
  Sul para a África exige tempo e considerável gasto com combustíveis, entre outros.
       Toda essa situação ganha contornos diferentes na ciberguerra. Nela podem atuar diversos atores, estatais
45  e não estatais, identificados e anônimos. A distância física e quase irrelevante, o ataque se sobrepõe a defesa,
  já que a rede mundial de computadores não foi pensada como algo a ser necessariamente defendido. Outra
  característica está no fato de que a parte maior, e oficialmente mais poderosa, tem capacidade limitada para
  desarmar ou destruir o inimigo, ocupar o território ou usar efetivamente estratégias de força contrária.
       Em 2014, por exemplo, nos confrontos entre a Rússia e a Ucrânia, o sistema de comunicações via telefone
50  celular ucraniano foi atacado. A companhia Ukrtelecom teve suas instalações invadidas por homens armados
  que danificaram cabos de fibra ótica, comprometendo seriamente o fornecimento do serviço. Por outro lado,
  grupos de hackers ucranianos, a exemplo do Cyber-Berkut, atacaram as páginas russas. O site da agência de
  comunicação estatal Russia Today foi invadido e nele a palavra “russos” foi substituída por “nazistas”
       Justamente por suas características, trata-se de um conflito que mais frequentemente se desenvolve nas
55  sombras, com certa discrição. Se há cibercomandos, eles são anunciados sempre como unidades de função
  defensiva, não de ataque. Ao mesmo tempo, é importante pensar que as intervenções cibernéticas podem servir
  como ato de abertura de uma guerra mais convencional. Dito de outro modo, um ataque cibernético pode ser o
  primeiro passo em uma ação maior.

 

LEÃO, Kari; SILVA, Francisco. Por que a guerra?: Das batalhas gregas a ciberguerra - uma história da violência entre os homens. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p. 469 - 472 (texto adaptado).

 

1 Carl Von Clausewitz (1790 – 1831) – foi um experiente militar prussiano, especialista em estratégias de batalhas e considerado um grande teórico devido às suas definições amplamente difundidas sobre a guerra.

 

“A ciberguerra compoe parte daquilo que alguns chamam de “guerra não convencional” [...]. Arquilla e Ronfeldt destacam a necessidade de conhecer o campo inimigo, revelam inspiração nos mongóis [...] para as doutrinas militares.” ´ (texto 2, linhas 10 a 20)

Estrategias argumentativas são o resultado de como o autor organiza e apresenta seus argumentos ao longo de um texto. Entre as estratégias argumentativas utilizadas para sustentar a tese apresentada no excerto acima, destaca-se a recorrência de:

A

marcas de interlocução para aproximar o leitor das experiências com o repertório de filmes assistidos pelo autor.

B

sequências narrativas para angariar a simpatia do leitor com as situações expressas.

C

ironia com relação aos excessos sobre como são retratados os hackers nos filmes.

D

argumento de autoridade que recorre a credibilidade atribuída a palavra de outrem, considerados especialistas na área.

E

exemplificação do ataque russo ao sistema de comunicações via celular ucraniano.