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(UPF 2017)O legado simblico est garantidoLegado um

(UPF 2017)

O legado simbólico está garantido

Legado é uma palavra perigosa quando aplicada a 1eventos que alavancam o uso de dinheiro público em infraestrutura, pois é um substantivo futuro empregado como argumento para justificar gastos bilionários em obras. 2Numa cidade de um país em que as propinas  vêm sendo regra em empreitadas que podem ruir ou se transformar em 3elefantes brancos, 4falar em legado material no finzinho de um evento é uma aposta no escuro.

Quando a 5Força Nacional e os esquemas especiais que fizeram o 6Rio parecer 7um modelo de cidadania e organização durante os 15 dias de 2016 8deixarem a cidade, o carioca vai cair na real e “no real”, no sentido lacaniano: as forças ocultas de nosso abismo vão continuar insistindo em “não se inscrever” na consciência que temos de seus resultados. 9A cidade, partida por algo monstruoso, subterrâneo, renascerá: UPPs na lona, milícias, violência policial, Estado falido e acéfalo, calamidade na saúde, a baía poluída.

10Há, contudo, um legado imaterial que, paradoxalmente, é mais fácil de ser constatado, aferido, e até comprovado desde já: 11o Rio, quando recursos são alocados para onde devem, pode 12ser a cidade que gostaria de ser. E sentimos 13esse gosto, como uma promoção por tempo determinado. O improviso desse exemplo, motivado por um dinheiro de exceção (do COI e das obras), trouxe para o carioca um espelho ideal de si mesmo, refletido em bilhões de televisores e monitores Brasil adentro e mundo afora.

14A não ser que algo ainda aconteça nessa segunda-feira que já amanheceu e segue o giro das 1524 horas finais da despedida, 16a experiência mágica da Olimpíada transcorreu sem acidentes especialmente graves, sem desmoronamentos, sem vexames organizacionais, sem mortes de atletas atacados por mosquitos, sem ondas descontroladas de assaltos ou violência e sem atentados terroristas.

17O “eu acredito” gritado nas competições flutuou também na esfera do acreditar na cidade, no país, um “Yes, we can” lastreado em histórias como a da judoca Rafaela: apesar do descaso do poder público, alguém pode sair da Cidade de Deus e ir morar no Olimpo por algumas temporadas. A fama de mais bela cidade do mundo se cristalizou, a gentileza e a amizade dos cariocas foi exaltada, a troca cultural foi intensa e frutífera. (...) O incidente dos banheiros australianos na Vila Olímpica terminou com o canguru de pelúcia na mão do prefeito, e teve alta simbologia: depois do susto, não se soube de outra delegação que reclamasse ostensivamente, e o canguru acabou como amuleto invertido do sucesso dos 18Jogos. 19A água verde de algumas piscinas acabou dando até um charme à paleta multicolorida do 20evento, apesar de alguns olhos irritados. De resto, as instalações funcionaram como uma caixinha de música, com muita música, por sinal.

O metrô (com a Linha 4 cercada de suspeitas inevitáveis), as filas de BRT com ônibus a cada 15 segundos, os trens, as passarelas: quem circulou não teve do que reclamar, não houve 21tumultos, pisoteamentos. Foi um bom exercício, mas atenção: a maquiagem termina hoje. Circulando, circulando, vamos saber. Mas não teve quebra-quebra nem hooligans (coisa de Eurocopa), a não ser, claro, 22a gangue mijona de nadadores americanos liderada por Ryan Lochte, o mané modelo dos Jogos.

Trapalhada que, aliás, pode ser considerada uma espécie de cereja no bolo do 23legado imaterial, e 24com alto poder marquetológico: o único 25assalto a atletas foi uma farsa de estrangeiros e, 26ainda que os seguranças do posto tenham agido de maneira não exatamente exemplar, 27o assunto virou top story em grandes redes de TV ianques, e a maior superpotência do planeta se curvou 28ao Brasil. (...)

29Paralelamente, outro atleta americano, Michael Phelps, em postagem no seu Twitter, disse já estar com saudades do Brasil, de seu povo, de sua beleza. 30Totalmente abrasileirado, Usain Bolt, na final do futebol, em que o Brasil conquistou o ouro contra a Alemanha, filmou o gol de falta de Neymar e deve ser tema de desfile de escola de samba ou convidado para desfilar em 2017. Na final do revezamento no Engenhão, o homem mais rápido do mundo, agora aposentado e desempregado, mostrou que já sabe sambar. (...)

31Bem mais tarimbado, outro profissional do “NYT”, o colunista e repórter Roger Cohen, que já viveu no Brasil dos anos 1980, escreveu um artigo apontando o que mudou de lá para cá (era correspondente durante o governo Sarney), a consciência que o país tem hoje de seus problemas e o esforço que vem fazendo para superar a corrupção endêmica. Ele 32se disse cansado de toda a aposta contra a realização a tempo das tarefas para os Jogos, da ladainha idealizada sobre a selva-Brasil, e, com fina ironia, reclamou de se culpar o Rio por não ter resolvido “todos os seus problemas sociais antes da Rio-2016”: “Há algo no mundo desenvolvido que não gosta de um país em desenvolvimento que organiza um evento esportivo de grande envergadura”, escreveu, terminando por dizer que não adianta: o Brasil será um dos atores principais do século XXI.

Num mundo em que tudo é marca, esse “algo” que busca excluir o Brasil do futuro foi bombardeado pelo 33sucesso da Rio-2016, que virou uma trademark não só de nossa visibilidade, mas de nossa viabilidade como cidade e como país. 34Este é o legado simbólico mais forte. É preciso, porém, que a vontade de potência seja acompanhada pela vontade política com um viés de vetor social. Do contrário, o ciclo de vida da nova marca será curto.

(BLOCH, Arnaldo. O legado simbólico está garantido. 22 de agosto de 2016. O Globo. Adaptado. Disponível em http://oglobo.globo.com/esportes/o-legado-simbolico-esta-garantido-19969374 . Acesso em 22 ago. 2016)

No texto, o autor fala sobre legado. Com relação às ideias defendidas a respeito do tema, é correto afirmar que:

A

Ao afirmar que "falar em legado material no finzinho de um evento é uma aposta no escuro" (ref.), o autor sugere que as obras realizadas não terão utilidade futura e se transformarão em "elefantes brancos" (ref. 3). 

B

Ao se referir ao episódio envolvendo a mentira dos nadadores americanos, o autor defende que, como "legado imaterial" (ref. 23), ficará a constatação do fracasso do COI na organização das Olimpíadas.

C

O legado deixado ao Rio é o de que a cidade se tornou um "modelo de cidadania e organização" (ref. 7).

D

O legado simbólico deixado pela Rio-2016 está na imagem positiva que o Brasil deixou ao mundo, fortalecida pelo "sucesso da Rio-2016" (ref. 33) e por exemplos de ações que deram certo.

E

Ao se referir às alterações ocorridas desde o governo Sarney até agora e ao mencionar a solução dos problemas sociais no Brasil (ref. 31), o autor infere que o legado está no progresso que marcou o país nesse período.