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VestibularEdição do vestibular
Disciplina

(UFU - 2019 - 2 FASE)Ali estava eu, menina esperta

(UFU - 2019 - 2ª FASE)

Ali estava eu, menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.


Como uma virgem anunciada, sim. Por ele me ter permitido que eu o fizesse enfim sorrir, por isso ele me anunciara. Ele acabara de me transformar em mais do que o rei da Criação: fizera de mim a mulher do rei da Criação. Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com a mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa boca cruel de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.


E foi assim que no grande parque do colégio lentamente comecei a aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer, apenas para suavizar a dor de quem não ama. Não, esse foi somente um dos motivos. É que os outros fazem outras histórias. Em algumas foi de meu coração que outras garras cheias de duro amor arrancaram a flecha farpada, e sem nojo de meu grito.
 

LISPECTOR, Clarice. “Os desastres de Sofia”, In: Felicidade
clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 2013, pp. 99-100.


A) Nesta passagem, retirada do trecho final de “Os desastres de Sofia", Clarice Lispector dialoga com a tradicional estória Chapeuzinho vermelho. Contemplando o enredo do conto clariceano em sua totalidade, esclareça o sentido metafórico do lobo no trecho apresentado.


B) A partir de uma análise do enredo de “Os desastres de Sofia", redija um texto, explicitando, pelo menos, dois modos pelos quais o conto subverte a concepção de infância feminina predominante à época de produção do conto.